O LADO SOMBRIO DA COLABORAÇÃO

“Não sei o que tô fazendo aqui” / “Não vou abraçar ninguém” / “Melhor eu ficar calado pra não sobrar mais trabalho pra mim”

Fabio Amado
7 min readOct 22, 2020

Você pode não ter lido muitos textos sobre esse tema por aí, mas agora vamos tirar o elefante branco da sala e falar mais sobre isso, sim: as coisas que todos os participantes pensam ou já pensaram em pelo menos uma sessão de workshop.

“E por que eu preciso saber disso?”

Rodar uma sessão colaborativa requer preparação de todos os detalhes. Logo, se você é facilitador ou contratante de um workshop, quanto mais souber sobre o comportamento das pessoas que estão envolvidas, mais fácil será lidar com isso e, claro, melhor será o seu desempenho no projeto. E aí, vamos comigo desbravar esse universo paralelo?

Na minha experiência, esses são alguns dos pensamentos e comportamentos que achei interessante destacar (e no final explico melhor o motivo). Se você lembrar de outros ou discordar, fique à vontade para comentar. Vou adorar fazer essa troca (lá no final do texto também :D)

ANTES DO WORKSHOP…

O QUE PENSA O CONTRATANTE

  • Se for como outros que já participei, será um sucesso!
  • Aposto todas as minhas fichas nesse workshop pra resolver meu problema
  • Vou ser promovido se tudo der certo!
  • Será que devo chamar o presidente para falar e impressionar a todos?

Mas se o contratante não estiver tão confiante assim:

  • Se for como alguns que já participei, tô ferrado!
  • Será que isso vai mesmo me ajudar a resolver o problema?
  • Se der errado, meu chefe vai querer minha cabeça.
  • Será que vale o que estão cobrando?
  • Será que devo chamar o presidente para as pessoas levarem isso a sério?

O QUE PENSA O FACILITADOR

  • Será que é esse mesmo o problema ou tem algo mais por trás disso?
  • E se for, como vou chegar à resolução desse problema?
  • Qual ferramenta eu uso pra isso?
  • E se eu não chegar onde quero, qual vai ser a minha alternativa?

As principais expectativas dos contratantes são relacionadas ao resultado do workshop. Afinal, workshops devem resolver um problema, certo? Certo, mas não é tão simples e direto assim. Variáveis externas, como a influência de uma outra área da empresa, a pressão do chefe, de iniciativas da concorrência ou até da própria equipe podem impactar na forma como o cliente percebe o seu problema real. Ter a sensibilidade para ler e entender até o que não é verbalizado pelo contratante é uma das primeiras formas de o facilitador se preparar bem para qualquer sessão.

Quanto ao que pensam os facilitadores, o que me ajuda quando estou criando a estrutura é falar em voz alta. Chamo alguém de confiança para contar as ideias e assim, enquanto falo, vou colocando tudo em ordem e tenho um feedback na hora sobre o que está ou não bem resolvido.

DURANTE O WORKSHOP…

O QUE PENSA O CONTRATANTE

  • Eu devo entrar na sessão ou fico aqui na minha para não inibir a equipe?
  • Será que o facilitador percebeu que esse grupo não tá funcionando?
  • Devo confiar no facilitador ou me meto agora?
  • Essa galera não tá evoluindo nas ideias
  • Enquanto eles vão fazendo as atividades aí, vou responder alguns e-mails

Cada contratante tem um perfil. Alguns entram mais no processo, contribuem na dinâmica, nas ideias, podem ser até mais incisivos. Outros preferem não se envolver tanto, deixam a equipe se soltar, atuam pouco na sessão ou podem ser até distantes demais, abrindo o notebook e não participando de nada. Independente do perfil, confiar no processo é muito importante. E o papel do facilitador é ser claro, objetivo e transparente com o contratante em todas as etapas para que ambos saibam como se apoiar do início ao fim do processo.

O QUE PENSA O FACILITADOR

  • Será que vai dar certo essa dinâmica?
  • Não deu certo, o que eu faço agora?
  • Eles estão se estendendo demais nessa discussão, mas tá muito boa. O que vou ter que cortar depois?
  • Essa pessoa está inibindo as outras, como posso contornar essa situação?

Durante uma sessão, a maioria dos grilos que passam pela cabeça do facilitador têm a ver com o quanto ele se preparou. Se o facilitador não está confiante antes de entrar na sessão, grandes chances de ela dar errado. É preciso ter esse perfil meio Mãe Dináh mesmo, de prever o máximo de cenários positivos e negativos para saber qual ferramenta usar, como intervir em alguma situação, como contornar imprevistos, etc. Vale investir muito no planejamento do antes pra evitar ficar sem respostas para tantos pensamentos no durante.

O QUE PENSAM OS PARTICIPANTES

Separei 3 perfis que são muito comuns e que pedem um pouco mais de atenção durante as sessões.

O empolgado, fera em workshop

  • Já fiz isso, vou responder sozinho e impressionar o chefe
  • Essa dinâmica não vai dar certo
  • Essa dinâmica dá super certo, posso ajudar os colegas a entenderem
  • Só café? Não tem um docinho de goiabada?

Geralmente esse perfil tem experiência com sessões anteriores e vem com uma maturidade alta e sabe como contribuir. Por outro lado, pode achar que sabe tudo e acaba trabalhando mais sozinho ou tem excesso de confiança e atravessa o facilitador.

Como lidar: seja seu aliado, não inimigo. Traga pra perto, incentive o espírito de colaboração, sem deixar que ele tome conta do processo com suas opiniões.

O inflexível

  • Espero que eu não tenha que abraçar alguém
  • E se roubarem a ideia que eu der?
  • Fulano escreveu exatamente o que eu ia falar, que droga
  • Não adianta eu falar, se nada disso vai pra frente depois
  • Isso não vai funcionar na nossa área, nem tem equipe pra isso
  • Nunca vi algo assim, não vai dar certo

Nunca participou de uma sessão ou já participou, mas as coisas não deram muito certo. Fica mais na retaguarda e é resistente pra compartilhar ideias, pra concordar e até pra interagir com os colegas.

Como lidar: seja claro sobre o objetivo do workshop, alinhe expectativas e crie um ambiente de confiança para que esse perfil se sinta seguro para contribuir. Usar as ferramentas certas para que ele se engaje faz toda a diferença (sem abraços, de preferência).

O paraquedista

  • Não sei o que tô fazendo nesse workshop
  • Melhor ficar calado pra não sobrar trabalho pra mim
  • Melhor ficar calado pra não falar bobagem

Provavelmente o chefe mandou e ele estava lá, sem saber muito o que fazer.

Como lidar: faça as devidas apresentações do grupo e diga porque cada uma daquelas pessoas foi escolhida, como podem contribuir e qual é objetivo esperado. Assim fica fácil de ele saber onde pousar ;)

DEPOIS DO WORKSHOP…

O QUE PENSA O CONTRATANTE

  • Será que vamos chegar onde eu preciso?
  • Como faço para colocar em prática o que aprendemos no workshop?
  • Será que a equipe curtiu?
  • Vou ganhar mais visibilidade na empresa?
  • Eu deveria pedir um aumento agora que deu tudo certo?

O QUE PENSA O FACILITADOR

  • Como vou conseguir resumir tudo o que falamos?
  • Putz, não pensaram direito aqui.
  • Oba, chegaram onde precisávamos!
  • Qual o melhor formato pra entregar os resultados pra eles?
  • Qual era o problema inicial mesmo?

Acredito que alinhar a expectativa sobre a entrega final e ter uma preocupação profunda com os detalhes no wrap-up é importante não só para que todos vejam o resultado, mas para que percebam o valor que o processo colaborativo teve para chegar ao resultado. Afinal, não foi à toa que vocês e seus pensamentos passaram todas aquelas horas reunidas.

O QUE O WORKSHOP REALMENTE É

Tudo isso junto. Sempre vão existir cada uma dessas personas e seus pensamentos no processo de uma sessão colaborativa. Resta ao facilitador se preparar para lidar com cada uma delas de forma confiante. Aliás, não sei se você notou, mas esse é o ponto principal do texto: confiança.

Nesse quadrante, desenhei alguns comportamentos que, na minha visão, interferem diretamente no resultado dos workshops. Vem comigo que eu explico:

FACILITADOR CONFIANTE, PARTICIPANTES MAIS MADUROS
Esse é o cenário ideal pra quem conduz o grupo. O trabalho flui melhor, a troca é mais construtiva e são grandes as chances de chegarem em um ótimo resultado. Porém, o excesso de confiança é também um ponto de atenção. Isso pode levar os participantes a tomarem conta da sessão ou pode fazer o facilitador achar que já sabe tudo e se preparar menos do que deveria.

FACILITADOR CONFIANTE, PARTICIPANTES MENOS MADUROS
Aqui o facilitador tem um trabalho bem maior para integrar as pessoas, trazê-las pra perto, fazê-las contribuírem mais com o processo. Exige muita preparação!

FACILITADOR POUCO CONFIANTE, PARTICIPANTES MAIS MADUROS
Neste caso, temos um problemão. Se o facilitador não se preparou bem, os participantes podem dominar a sessão e até descredibilizar o trabalho do facilitador. E isso não pode acontecer nunca.

FACILITADOR POUCO CONFIANTE, PARTICIPANTES MENOS MADUROS
E se, nessa mesma sala, ninguém está muito confiante do que está fazendo, fica quase impossível tirar o melhor proveito do grupo, que provavelmente vai levar muito mais tempo ou nem vai chegar ao resultado esperado.

Todas as possibilidades pedem uma análise minuciosa bem antes da sessão começar.

Ou seja, desde o início, ainda lááá no briefing, já é importante compreender o nível de maturidade de quem vai participar do workshop. Assim, o facilitador se prepara melhor escolhendo as ferramentas adequadas para trabalhar com aquele tipo de grupo.

Sentir confiança é simples assim? Claro que não.

Entender, exemplificar, hackear, escolher e personalizar as ferramentas são as principais habilidades que o facilitador precisa ter para estar confiante de fato. Basicamente a confiança é sobre estudar, estudar e estudar muito sobre tudo o que envolve uma sessão.

Mas calma, ansiedade, fique na sua! Pra ajudar a tirar isso tudo de letra, vou trazer nos próximos textos um pouco mais do que considero imprescindível no estudo e escolha das ferramentas pra cada sessão. Aguarde que vem coisa legal por aí!

ENQUANTO ISSO, ME DIZ…
Você se identificou com algum dos perfis acima? Ou lembrou de outros perfis além desses? Se sentiu mais ou menos confiante no final do texto? Comenta aqui embaixo que vou adorar saber os desafios que vocês também encontram nas sessões do lado daí.

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Fabio Amado

Head of Design at WKS | Speaker | Professor | Weekend Surfer